quarta-feira, 5 de junho de 2013

Filmes tão cult que provavelmente você não acreditará que eles existem. Mas existem sim!


-“Eu vi coisas que vocês nunca acreditariam... 
( Roy Batty, Replicante, em seus momentos finais de vida)
Filmes inacreditáveis - 1

HEAD (Os Monkees estão soltos, EUA, 1968)





Por Zaius Primati

     Voltei, povo. Felizmente não fui capturado nem forçado a revelar "O" terrível segredo.  Algum dos prezados leitores já leu a HQ dos piratas do Tietê chamada "A terceira margem?" Nela, Batman revela aos piratas que esconde um segredo. E ele é revelado no final. E olha que é um final totalmente inesperado...Nem o Shyamalan faria melhor!!
       E inesperado é também o tema desse post que marca meu retorno da Zona Proibida, após uma semana de ausência. Enquanto nosso correspondente na GLACTICON-2013 e Comic Palooza de Houston organiza seus arquivos da viagem, resolvi inaugurar uma nova seção desse bolg, que é a de filmes raros e/ou incomuns. Afinal se há sebos para livros e até DVDs, também acho que posso falar um pouco a respeito.
       E eu começo com algo totalmente estranho a vocês que têm menos de 35 anos, numa modesta estimativa. Trata-se de um dos mais estranhos filmes já produzidos: HEAD ou, em português, “Os Monkees estão soltos”. Assisti a essa bizarra jóia da sétima arte na antiga sessão das duas. Lembram da borboletinha da vinheta daquela antiga (para não dizer ancestral) sessão de cinema das tardes de meio de semana da Globo? Não? Pois é. Há muito, muito, muito tempo atrás, numa galáxia muito distante, havia uma sessão de cinema de segunda à sexta, onde, pasmem, não eram exibidos filmes com muita confusão para a galerinha, mas sim clássicos do cinema, como os filmes de Tarzan com Johnny Weissmüller, as comédias de Jerry Lewis (até a fase anos 70), épicos como Sete homens e um destino, e por aí vai.
       E Foi numa dessas sessões em que assisti o dito cujo filme dos Monkees. Eu já conhecia a série, reprisada pela RedeTV, na virada do século, sobre os cabeludos e sua banda  de Rock, autores de sucessos como I’m a Believer que é cantada pelo Burro e grande elenco, na cena final do casamento de Shrek e Fiona em “SHREK”.
Por mais engraçada e inovadora em termos de humor (para a época é o que mais havia de parecido com Monthy Python na TV americana) que fosse a série, nada, mas NADA MESMO nesse mundão de Deus, me preparou para o filme que ficou impresso em minhas retinas desde os meus dez anos (ou menos) de idade.
Para começar, o produtor desse filme é ninguém mais ninguém menos do que o senhor “Jack “estranho no ninho” Nicholson. Pois é. Era 1968, época do psicodelismo e da experimentação sensorial, química e erótica e, de algum modo, o diretor de muitos episódios da série de TV do grupo, Bob Rafelson, conseguiu convencer o Jack maluco a investir uns pilas de sua nascente fortuna no projeto de um filme sobre as aventuras daqueles cabeludos que moravam todos juntos (platonicamente) numa casa de praia na Califórnia.
Mas engana-se quem espera ver nesse filme o típico chick flip de verão americano. O filme, até hoje, mal pode ser classificado como musical, apenas devido ao fato de ter algumas canções no meio. Na verdade, nem seus realizadores saberiam como classifica-lo.
Na sequência de abertura, um político enfrenta dificuldades com o microfone durante a inauguração de uma ponte. Antes que ele possa cortar a fita inaugural, os quatro Monkees a atravessam correndo, como se tivessem alcançado uma linha de chegada. Eles estão, obviamente, fugindo. Mas fugindo de quem ou de que? Em meio ao desespero de sua fuga alucinada, os caras pulam da ponte de aço (que lembra a Golden Gate, embora seja menor) nas águas do mar, dezenas de metros abaixo.
O resto do filme, explica, em Flashback, como é que eles vieram parar ali, numa trama psicodélica, que mistura uma série de vinhetas aparentemente não-relacionadas entre si, mas, que no todo, formam uma “trama” de algum tipo.  
Logo no inicio do filme, surge uma tela formada pelas imagens de dezenas de televisores revelando imagens que vão desde a famosíssima cena da guerra do Vietnã, que mostra a sumária execução de um vietcong com um tiro na cabeça, até cenas de documentários sobre a natureza selvagem e clipes com cenas do resto do próprio filme. É então que uma musiquinha, cantada pelos monkees, no estilo daqueles corais de barbeiros da virada do século adverte: “espero que gostem de nossa história, ainda que não tenhamos uma...”
Sob muitos aspectos, essa bizarra trama psicodélica, debochada e não-linear, cheia de cenas sem o menor sentido, falas e ações absurdas, recheada de humor nonsense e niilista pode ter antecipado o advento de fenômenos como Pulp Fiction, de Quentin Tarantino, “Se beber, não case,” a série LOST (ainda que HEAD seja, de longe, muito mais criativo e engraçado do que a finada série escrita por Damon Lindelof) e o próprio Monthy Python’s Flying Circus ( que só seria exibido na TV britânica no ano seguinte ao lançamento do filme).
       HEAD é uma viagem alucinante e escolher uma cena em particular seria uma injustiça com todas as outras. Mas a minha favorita é essa Daqui:









       Nela, pode-se perceber o uso de um dos recursos mais simples para atrair a atenção de um público: não esclareça nada. Jamais. Jogue um monte de imagens e sons e deixe que eles que se virem tentando encontrar um sentido. E saia correndo, o mais rápido que puder.
Essa verdade, universalmente aceita, já inspirou roteiristas como Damon Lindelof e Didi Mocó Sonrisepe colesterol Novalgino Mufungo. Sim! Didi Mocó já usou essa técnica, no lendário esquete dos trapalhões em que um sujeito passa ao lado de um muro onde se ouvem vozes repetindo “sete, sete, sete...” Quando o incauto sobe o muro para olhar, acaba levando um tapão na cara. Daí o coro de vozes muda para “oito, oito, oito,oito...”

Bob Rafelson e Didi mocó já sabiam o segredo de um bom roteiro, muito antes de Quentin Tarantino e Damon Lindelof. Ei, esperem! Damon Lindelof nunca aprendeu a fazer bons roteiros...


O encontro de Peter com o misterioso guru no meio da sauna a vapor, o hermético, ainda que belo, discurso que se segue, e a conclusão da cena, são momentos antológicos da história do cinema, especialmente quando você tem dez anos e vê um discurso metafísico sendo solenemente proferido por um cara enrolado numa toalha e que fala com a voz do mesmo dublador de David Carradine, em Kung Fu...

Conta-se que Bob Rafelson aprendeu a editar um filme na marra, correndo contra o tempo para lançar HEAD. Antes de sua estréia oficial, o filme foi exibido para uma plateia teste em Los Angeles, sob o curioso nome de Untitled movee. Quando as luzes da sala se acenderam, a audiência estava em estado de choque, principalmente as meninas, que jamais imaginaram ver seus ídolos em tão estranhas (e embaraçosas) situações.

Aparentemente, o resultado da exibição não mudou em nada a determinação da equipe de produção. Mesmo sem recursos de divulgação, eles peitaram a Times Square em Nova Iorque, fazendo eles mesmos, Rafelson e Nicholson, a panfletagem na porta do cinema. Nicholson, num rasgo de genialidade, inventou a publicidade viral, colando furtivamente um flyer do filme nas costas de um policial que patrulhava as imediações. A descoberta da brincadeira pelo oficial de polícia rendeu a Nicholson uma noite no xilindró (que palavra sonora é essa! “Xilindró”. Sempre quis usá-la, de algum modo. Xilindró, Xilindró, Xilindró!). Não sei se foi a primeira, mas, certamente, não seria a última na cadeia para o genial astro de “Um estranho no ninho”, “Chinatown”, “Melhor é impossível”, entre tantos outros.
Que Felini, que Lars Von Trier, que Almodóvar, que Fassbender, que Ang Lee, que nada!  O gênio inconteste da sétima arte será, para sempre, Bob Rafelson. E não é para menos. Reza a lenda que o “roteiro” do filme surgiu de um retiro de fim de semana em uma cabana nas montanhas, misto de sarau literário e ritual xamânico, no qual Bob, Jack e os Monkees, beberam todas, fumaram tudo e consumiram moléculas que a nossa vã filosofia talvez jamais venha a conceber. E o resultado são os 85 minutos mais bizarros e engraçados de toda a história do cinema.


Jack e Bob, naquele histórico fim de semana, rindo à toa do público, da crítica, deles mesmos, daquele tordo (pássaro conhecido em inglês como Robin) que passou voando agora a pouco...


À sua maneira, Rafelson e companhia realizaram o filme mais hermético e cerebral do ano de 1968. E não me venham falar de “2001- Uma Odisséia no espaço”. Mesmo sem ter lido o livro , pode-se entender o filme. E quanto a HEAD? Mesmo que alguém pudesse reproduzir minuciosamente o lendário fim de semana que originou esse clássico (e muita gente vem tentando), duvido que conseguisse chegar aos mesmos resultados.

O filme ainda conta ainda com as memoráveis participações especiais de Victor Mature, como o vilão (?) Big Victor, Teri Garr, Frank Zappa(!), Anette Funicello, a mocinha  da série praia dos biquínis, do Mister Easy Rider, Denis Hopper e do próprio Nicholson, ironicamente, vestido como um dos policiais na cena da ponte (imagino que tenha sido uma homenagem ao tira nova-iorquino vítima de sua pegadinha). 
O engraçado é que vi esse filme incontáveis vezes ao longo dos últimos 38 anos. Mas só na última vez em que o vi é que percebi que aquele policial na cena da ponte, com um sorriso largo como o  do Coringa, era o bom e velho Jack. Como é bom, à essa altura da vida, ainda poder descobrir easter eggs escondidos em filmes antigos!

Run, Monkees! Run!


Diz a Wikipedia, em inglês, que o tema do filme é simplesmente o livre arbítrio, “concebido e editado no estilo de um fluxo de consciência”. Durante boa parte do filme, os Monkees tentam provar a si mesmos que eles são livres e podem fazer qualquer escolha que quiserem. Mas não importa o que façam – Seja detonando propositalmente suas falas, seja se queixando para Nicholson e Rafelson, que estão no set de filmagens, mas fora do enquadramento da câmera, ou atravessando rasgando as paredes dos cenários de papelão, atacando fisicamente sem nenhum motivo e fazendo todos que os que cruzam o seu caminho ficarem putos de ódio contra eles.- No final, eles descobrem que cada palavra, cada ação que eles realizaram foi predeterminada nos mínimos detalhes pelo roteiro do filme no qual eles se encontram e pelo diretor que os está dirigindo. Caramba! Isso sim é que é metalinguagem. E pensar que eu jamais imaginei que algum dia fosse gostar de filmes cabeça...



        


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