Mitos e verdades sobre os nerds
Por Zaius Primati
Dizem que blogs devem ter conteúdo. Bom, eu também acredito nessa teoria. Mas também acredito por vivência empírica que muitos blogs e blogueiros de sucesso já conseguiram legiões de seguidores falando de seus umbigos. Tudo bem. Também estou indignado. Isso é o cúmulo do douchebaging, que é , em inglês, o ato isolado ou prática sistemática de ser um douchebag. Douchebag, por sua vez, é um termo que designa alguém com uma auto-estima muito, mas muito maior mesmo, do que seria necessária, que acredita ser a forma de vida baseada em carbono mais sensacional que já andou sobre esse planeta e que, frequentemente, demonstra pouco ou nenhum respeito por outros seres humanos. Eles estão em toda a parte: astros de rock, políticos, empresários, muitos atores, atrizes e diretores, e até gente comum, principalmente, no trânsito. Mas como parece ser cool escrever sob um tópico que não envolva nenhuma notícia em particular, resolvi tentar, mesmo que isso viole minha primeiríssima diretiz que ordena: "Jamais seja um douchebag".
Buenas, como estamos em maio e maio é o mês das noivas (e dos nerds), e esse blog é sobre nerdices em geral, resolvi fazer uma micro-série sobre aspectos, digamos, antropológicos da nerdice. Isso e o fato de que nosso correspondente na Galacticon 2013 e Comic Palooza de Houston volta essa semana com material para esse blog. Ele pode voltar também com algum daqueles resfriados "vintage" importados e com spoilers de quem já assistiu o último Star Trek (em Imax. Nojento!). Então, durante uma pequena "quarentena" vou ocupando esse blog com outros assuntos.
Foram todos os nerds criados iguais? Claro que não, dizem as sagradas escrituras (note, prezado leitor, que me refiro aos escritos do grande legislador, não aos livros sagrados das religiões humanas). Nossa tribo é dividida em vários clãs, que todo mundo conhece: o trekker, o whovian, o jedi, o gamer, o jogador de RPG, o cosplayer, o colecionador de miniaturas, e/ou de action-figures o leitor de espada e magia, o leitor de ficção científica, o leitor de horror, o Marvete, o DCnauta, o cinéfilo generalista, o cinéfilo de fantasia, de terror, de ficção científica, e vai por aí...
E, mesmo esses grupos, ainda podem ser subdivididos em vários outros, nem sempre amistosos entre si (fato que este humilde cronista lamenta). Uma dos contos mais legais que já li sobre o folclore das rixas entre tribos nerds (ou geeks, como querem alguns) envolve uma história de amor impossível entre uma jovem guerreira Klingon da Califórnia e um aprendiz Padawan irlandês, durante a Comic Con de San Diego. Uma hora falo sobre esse livro, que, por sinal, é ótimo.
Muitos de nós não gostam de rótulos e se mostram ferozmente avessos a eles. No último sábado, 25 de maio, dia da toalha, eu assistia a uma gravação do Argcast. Durante o evento, Daniel HDR lembrou que todas essas subdivisões são bobagens. Somos todos nerds. E isso inclui até mesmo aquele cara que faz login em sites sobre quadrinhos, séries e filmes de ficção científica e afins, é expert em vintage games, mas diz pra todo mundo que não é nerd. Ouvi até uma história sobre um cara que tatuou o Magneto nas costas, mas jura que não é nerd....
E isso nos leva ao primeiro mito sobre os nerds:
1. Inadequação ou falta de habilidades sociais
Sheldon Lee Cooper não me representa!
(Bom, não a maior parte do tempo)
Essa é, sem dúvida, a maior pedra com que nos alvejam. "Olha só o quatro-olhos, o magricelo, o gordão, o esquisito (defina esquisito?), o CDF...aquele cara ou garota que nunca conseguirá arranjar uma namorada/namorado, que vive em seu mundinho, seu gueto, com sua turma, longe da "sociedade" e , quando trafega por ela, o faz desastrosamente. Esse é um dos estereótipos mais bizarros que existem. Parte do pressuposto de que apenas nerds ou geeks podem apresentar falhas no quesito capacidade de se relacionar com outras pessoas. Em maior ou menor grau, todos nós, nerds ou não, temos nossos momentos de mestre de cerimônias da festa do Oscar (acho que esse não foi um bom exemplo...) ou de abominável homem das neves.
Ande por uma avenida. De um lado da mesma, olhe para 50 caras que acabaram de sair de um jogo de futebol (tendo ido primeiro ao bar, encher a cara, pois ainda não se pode beber nos estádios), todos usando o uniforme de sua paixão FC (para os não iniciados, isso quer dizer Futebol Clube e não ficção científica) e dispostos a matar ou morrer pelas cores de seu time. Do outro lado, outros 50 caras ( e talvez até algumas garotas) cosplayers indo ou vindo de um evento de Anime. Eu certamente escolheria a calçada do anime, mesmo que eu estivesse usando minha camiseta com o logo do Lanterna verde.
Seja sincero: qual das imagens abaixo lhe assusta mais:
A) Essa?
B)...Ou essa? Não levem em conta o fato dos caras da figura "A"
serem um bando de arruaceiros sem estilo e os da figura "B" serem quelônios iniciados nas letais disciplinas do Ninjutsu...
Na outra opção, minha integridade física muito provavelmente seria ameaçada se eu estivesse usando a camiseta de um time rival. Eu mesmo já fui a uma Jedicon promovida pelo Conselho Jedi do Rio Grande do Sul, usando meu uniforme da Frota Estelar (nova geração, amarelo mostarda, engenharia e operações. Lt. cmdr) e voltei são e salvo para contar a história Claro, alguns olhares não eram muito calorosos. O que muitos Jedi não sabiam é que um dos organizadores do evento já foi a uma festa Trekker, vestido de Storm Trooper, e foi muito bem recebido (ganhou até prêmio de melhor fantasia).
Quanto a não ser capaz de encontrar alguém para amar, isso também é bobagem. O americano Gabriel Koerner, desenhista e designer de CGI, amargou durante toda a sua adolescência uma série de piadas a respeito de ser um virgem uniformizado (por causa de seus uniformes de Star Trek ou Babylon 5). No documentário Trekkies II, ele e sua esposa (ambos bem jovens) aparecem num depoimento sobre sua lua de mel, digamos, um tanto insinuante. E ele continua uniformizado. O humilde cronista que vos fala é um pai de família, muito feliz e orgulhoso pela curiosidade, alegria, espontaneidade e zilhões de outros atributos de sua filhinha. E também pelo fato dela ser fã de Doctor Who, como eu, e ter um Dalek de pelúcia que diz "Exrterminate!" quando apertado (vejam bem, o Dalek de pelúcia é dela, não meu). E, como diria Obi Wan Kenobi:
"...They will return in great numbers". Pois é. Somos numerosos. E tendemos a ser cada vez mais numerosos. Uma das coisas que me chama a atenção é que, dentro do grupo "exclusivamente nerd" dos amigos de minha família, não conhecemos nenhum fumante ou consumidor de bebidas alcoólicas. Detesto uísque, tolero algumas cervejas, mas gosto de um bom cabernet . Creio piamente que o carma das melhores uvas e o das melhores carnes é se encontrar com nossas papilas gustativas (perdoem-me vegetarianos e hindus, não quis fazer trolagem). E esse hábito, vejam só, me torna exótico, aos olhos de alguns desses amigos.
"Sim, mas e daí? " diriam alguns de nossos detratores. Mesmo aqueles rednecks (termo americano para caipira, normalmente associado também ao hábito de beber uísque de alambique, amar escopetas calibre 12, ser criacionista e, em muitos casos, patologicamente racista e homofóbico) conseguem se reproduzir. E quanto à "interação social de alto nível"? "Low profile" qualquer um pode ser. "E vocês?"
Bueno, defina "alto nível"? Conheço nerds dos mais diversos tipos, capazes de conversar com quase qualquer um, sobre quase qualquer coisa. Isaac Asimov costumava dizer que , nas convenções de leitores de ficção científica ele jamais ficava entediado, pois a variedade de assuntos que ele podia abordar com os fãs era BEM maior do que a que ele podia encontrar na maioria das festas.
Conheço um cara que é fã (fã é um eufemismo) de quadrinhos, ávido consumidor de edições encadernadas importadas dos mesmos, e que também é um insuspeito consultor em administração e negócios, já tendo trabalhado para importantes multinacionais e viajado pelo globo, profissionalmente (não se preocupe, cara. sua identidade secreta está a salvo comigo).
Em meus mais de vinte anos convivendo com cientistas, também conheci nerds entre eles, gente que podia discorrer sobre as realizações de Arthur Clarke, Gene Rodenberry, Tolkien ou Stan Lee, com a mesma naturalidade com que falariam sobre suas linhas de pesquisa. Conheço jornalistas, engenheiros, empresários, estudantes, gente de todo o tipo, que não se encaixa no "low profile". Claro, podemos ser intransigentes em alguns momentos, principalmente quando isso envolve discussões retóricas sobre nossas paixões. Mas nem por isso partimos para a agressão física. Nunca vi um Trekker socando a cara de um Jedi (ou vice-versa). O mesmo não posso dizer de gremistas e colorados, corintianos e palmeirenses, flamenguistas e botafoguenses e militantes de partidos políticos em geral...
Claro, nem por isso somos criaturas perfeitas, acima do bem e do mal. Existem exceções. Outro dia vi um sujeito com uma camiseta medonha do filme "Canibal Holocausto", onde estava estampada em cores vivas e sangrentas uma mulher nua e empalada, atravessada por toda a extensão do tubo digestivo, se é que vocês me entendem. Isso não aconteceu num bar para Hells' Angels ou em algum muquifo underground mal-iluminado. Aconteceu na fila do caixa da livraria Cultura do Bourbon Shopping Country, em Porto Alegre.
Caramba, povo! Minha filha estava perto, íamos pagar uma revista da Hello Kitty. E se ela visse aquela barbaridade??? Tratei de sair dali o mais rápido possível.
Fiquei louco da cara! O cretino estava dando seu grito de " eu quero que a humanidade se F#..." Se é assim, o que é que aquele imbecil fazia num dos pilares da civilização humana que é essa instituição, A LIVRARIA? Se o sujeito fosse coerente, devia era se enfiar numa cabana na tundra siberiana e nunca mais voltar...
Dias depois, encontrei o mesmo sujeito, numa fila para a compra de ingressos do FANTASPOA, o festival de cinema fantástico de Porto Alegre. Apesar do festival ser de cinema fantástico (que inclui SciFi, Fantasia e Horror), há uma forte predominância do horror. Mas nem por isso os fãs de horror são todos um bando de psicopatas prontos para sacrificar bebês em troca dos favores de Ctulhu ou de obter os poderes sobre o Necronomicon (bom, a maioria não). No fim das contas o cara era só um merda mesmo. E até ele estava com uma namorada, provando que toda a panela tem sua tampa. Só torço para que não se reproduzam. Tá, reconheço. Isso foi trolagem. Torço para que seus filhos sejam mutantes muito mais evoluídos e sofisticados do que eles. Melhorou? Espero que sim.
No Próximo post:
Os nerds cientistas são todos como a turma de The Big Bang Theory? Mitos e verdades sobre os nerds do meio acadêmico.
Abraços simiescos, amigos humanos.
Comentários, críticas e ameaças são bem -vindos. E não deixe de votar na criatura mais odiada do Nerdverso, logo abaixo, no final deste Blog. Este blog não incita o ódio contra personagens fictícios ou pessoas que não deveriam existir na vida real. Isso é só uma piada, ok? Por favor, não me venham com idéias malucas...