Cinema
Depois da terra – Crítica
(After Earth, EUA, 2013, 120 min)
Por Zaius Primati.
Certa
vez, quando eu tinha 25 anos, resolvi fazer
o tipo de coisa imbecil que só um guri
pode fazer sem sentir o quão débil ele está sendo ao fazê-lo: Fui praticar escalada livre num paredão de pedra próximo do topo do Itacolomi,
próximo de Porto Alegre. Até aí, nada
demais. Só que saí num sábado de manhã (como é bom ser jovem e ter energia para
gastar em babaquices) sem avisar a ninguém aonde ia e o que pretendia fazer.
Perto do topo, comecei a ser ferroado por marimbondos que tinham colônias
espalhadas pelas reentrâncias na rocha . Eu devia estar a uns cinco ou sete
metros do trecho mais plano onde podia me abrigar. Naquele momento, precariamente aderido à rocha, eu tinha duas escolhas: Podia
entrar em pânico e morrer por choque anafilático das ferroadas ou pelo
salto, que fatalmente quebraria minhas pernas e me deixaria imobilizado, para
morrer à míngua, ou podia buscar uma
saída mais racional. Como as duas primeiras opções não me agradaram nem um
pouco, optei pela segunda e desci até um ponto que era inclinado o bastante
para servir de escorregador. Voltei para
casa com as calças em petição de miséria. Mas voltei.
Essa
pequena história ilustra um pouco sobre o tema central de “Depois da terra” que
estreia hoje em circuito nacional: A
conquista de si mesmo, face à adversidade. Ainda que pese sobre o filme a pecha
de ser um veículo de promoção de idéias da cientologia, da qual o astro Will
Smith é adepto, saí bastante satisfeito
com o filme.
No
início do filme, somos apresentados ao cenário de um pós-apocalipse ambiental
que obriga a espécie humana a migrar para um novo lar, o planeta Nova Prime, em
outro sistema solar. Lá chegando, os
humanos são obrigados a lutar contra uma raça alien que disputa o planeta e
utiliza feras criadas especificamente para farejar o medo dos humanos e
caça-los. Durante uma viagem de treinamento, o duro e inflexível General Cypher
Raige (Will Smith) e seu filho, o jovem cadete Kitai (Jaden Smith) são forçados
a realizar um pouso forçado num mundo selvagem e implacável, que já foi o lar
da espécie humana e que agora poderá ser o túmulo de ambos. Para sobreviver,
eles precisarão trabalhar juntos e superar suas diferenças. Uma vez que seu pai
está gravemente ferido, caberá ao filho
realizar uma jornada pelas selvas e montanhas de um planeta povoado de
predadores sobre os quais ele pouco ou nada sabe, além de enfrentar duríssimas
condições ambientais. O Jovem Kitai é
obrigado a enfrentar o medo paralisante e o pânico absoluto. As vidas dele e de
seu pai dependem disso. A música do quase sempre discreto James Newton Howard,
colaborador costumeiro de Shyamalan, só acentua
o sentimento de solidão e insegurança do personagem de Jaden Smith. O jovem herdeiro de Will Smith já foi acusado
pela crítica de ainda precisar de muitas lições de interpretação. Pode até ser.
Mas, no contexto do filme, sua insegurança genuína, empresta uma
verossimilhança a seu personagem que talvez ele não alcançasse, se fosse um
ator experiente. E, como o jovem cadete que é sempre comparado ao pai, um
lendário herói de guerra, não deve ser fácil para um guri contracenar com o
pai, que já foi até indicado ao Oscar. E
Shyamalan e Will Smith sabem disso e se
aproveitam desse trunfo como ninguém.
O
diretor indiano, mais uma vez, nos apresenta personagens em situações limite lutando
contra circunstancias bem além de seu controle e tentando fazer o melhor com o
que lhes é dado. Desse modo, a história
de pai e filho que caem numa Terra selvagem do futuro funciona bem como drama
familiar, suspense e aventura. Mas é
como ficção científica que o último trabalho do diretor Indiano mais surpreende.
O filme é uma ficção científica de idéias. Shyamalan consegue
realizar um manifesto ecológico, exposto de modo puramente visual. Mas, longe de ser ecochato, ele o faz de um modo muito legal. A cuidadosa direção de
arte e desenho de produção constituem um parte orgânica (quase que literalmente) da história. Somos apresentados a uma sociedade do
futuro que rompeu radicalmente com a visão de mundo da velha e decadente civilização
terrestre. Tudo que aparece na tela, incluindo naves, habitações, vestimentas,
equipamentos, etc. parece ser, pelo menos parcialmente, de origem biológica. As
tecnologias “verdes” empregadas pela civilização de Nova Prime estão em toda
parte. As cidades, ao invés de achatarem
a linha do horizonte, como fazem atualmente, parecem brotar do solo, sem modificar radicalmente
o relevo. Fique atento aos destroços (ou cadáver?) da nave. Você vai se
surpreender. Claro, há algumas licenças poéticas que não vou revelar para
evitar spoilers. Uma ou duas delas poderiam até inviabilizar a história, logo de cara.
Mas a abundância de conceitos de ficção científica Hard e Soft, habilmente
mesclados com drama, suspense e aventura, certamente vale o ingresso se você
for um apreciador de ficção científica,
especialmente, da literatura de SciFi.
Shyamalan tem
sido constantemente trolado pelo público e crítica nos últimos anos. Todos
esperam reviravoltas extraordinárias como o genial final de “O sexto sentido”,
que o catapultou para a fama. Mas o que muitos não enxergam é que essas
reviravoltas estão acontecendo, bem ali, diante dos olhos do público. Assim
como “Sinais” não era um filme sobre a espécie humana (que é considerada por
muitos críticos como “o maior personagem de Ficção científica”), esse filme
também não é uma aventura alucinada (ainda que tenha momentos de inegável
tensão e suspense). E a reviravolta acontece também. Só que, como em “Sinais”
ou “A vila” , ela não pode ser
percebida com os olhos.
Certa vez,
perguntei à uma monja budista de uma sanga (comunidade budista) que frequentei
brevemente: De onde vinha a fé? Experiência? Treinamento? Condiconamento? Ela
me respondeu da seguinte maneira: “Se você se deu ao trabalho de atravessar a
cidade para vir aqui, então talvez não precise fazer essa pergunta”. E, de
certo modo, assim como a monja, “Depois da Terra”, bem como os outros filmes de Shyamalan, nos
convida a responder perguntas sobre nós mesmos.
Já foi dito que Shyamalan é o cineasta da sutileza. Pode ser o caso. E, numa Hollywood onde explosões e perseguições espetaculares, muitas vezes, rendem muito mais bilheterias do que histórias com idéias, é de se agradecer que alguém ainda esteja disposto a ocupar esse nicho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário