sexta-feira, 7 de junho de 2013


Cinema



Depois da terra – Crítica
(After Earth, EUA, 2013, 120 min)


Por  Zaius Primati.


                Certa vez, quando eu tinha 25 anos, resolvi  fazer  o tipo de coisa imbecil que só um guri pode fazer sem sentir o quão débil ele está sendo ao fazê-lo:  Fui praticar escalada livre num  paredão de pedra próximo do topo do Itacolomi, próximo de Porto Alegre.  Até aí, nada demais. Só que saí num sábado de manhã (como é bom ser jovem e ter energia para gastar em babaquices) sem avisar a ninguém aonde ia e o que pretendia fazer. Perto do topo, comecei a ser ferroado por marimbondos que tinham colônias espalhadas pelas reentrâncias na rocha . Eu devia estar a uns cinco ou sete metros do trecho mais plano onde podia me abrigar. Naquele  momento, precariamente  aderido à rocha, eu tinha duas escolhas:  Podia  entrar em pânico e morrer por choque anafilático das ferroadas ou pelo salto, que fatalmente quebraria minhas pernas e me deixaria imobilizado, para morrer à míngua,  ou podia buscar uma saída mais racional. Como as duas primeiras opções não me agradaram nem um pouco, optei pela segunda e desci até um ponto que era inclinado o bastante para servir de escorregador. Voltei  para casa com as calças em petição de miséria. Mas voltei.

                Essa pequena história ilustra um pouco sobre o tema central de “Depois da terra” que estreia hoje em circuito nacional:  A conquista de si mesmo, face à adversidade. Ainda que pese sobre o filme a pecha de ser um veículo de promoção de idéias da cientologia, da qual o astro Will Smith é adepto,  saí bastante satisfeito com o filme.

                No início do filme, somos apresentados ao cenário de um pós-apocalipse ambiental que obriga a espécie humana a migrar para um novo lar, o planeta Nova Prime, em outro sistema solar.  Lá chegando, os humanos são obrigados a lutar contra uma raça alien que disputa o planeta e utiliza feras criadas especificamente para farejar o medo dos humanos e caça-los. Durante uma viagem de treinamento, o duro e inflexível General Cypher Raige (Will Smith) e seu filho, o jovem cadete Kitai (Jaden Smith) são forçados a realizar um pouso forçado num mundo selvagem e implacável, que já foi o lar da espécie humana e que agora poderá ser o túmulo de ambos. Para sobreviver, eles precisarão trabalhar juntos e superar suas diferenças. Uma vez que seu pai está  gravemente ferido, caberá ao filho realizar uma jornada pelas selvas e montanhas de um planeta povoado de predadores sobre os quais ele pouco ou nada sabe, além de enfrentar duríssimas condições ambientais.  O Jovem Kitai é obrigado a enfrentar o medo paralisante e o pânico absoluto. As vidas dele e de seu pai dependem disso. A música do quase sempre discreto James Newton Howard, colaborador costumeiro de Shyamalan, só acentua  o sentimento de solidão e insegurança do personagem de Jaden Smith.  O jovem herdeiro de Will Smith já foi acusado pela crítica de ainda precisar de muitas lições de interpretação. Pode até ser. Mas, no contexto do filme, sua insegurança genuína, empresta uma verossimilhança a seu personagem que talvez ele não alcançasse, se fosse um ator experiente. E, como o jovem cadete que é sempre comparado ao pai, um lendário herói de guerra, não deve ser fácil para um guri contracenar com o pai,  que já foi até indicado ao Oscar. E Shyamalan e Will Smith  sabem disso e se aproveitam desse trunfo como ninguém.               

                   O diretor indiano, mais uma vez, nos apresenta personagens em situações limite lutando contra circunstancias bem além de seu controle e tentando fazer o melhor com o que lhes é dado.  Desse modo, a história de pai e filho que caem numa Terra selvagem do futuro funciona bem como drama familiar, suspense e aventura.  Mas é como ficção científica que o último trabalho do diretor Indiano mais surpreende.  

O filme é uma ficção científica de idéias. Shyamalan consegue realizar um manifesto ecológico, exposto de modo puramente  visual. Mas, longe de ser ecochato, ele o faz de um modo muito legal. A cuidadosa direção de arte e desenho de produção constituem um parte orgânica (quase que literalmente) da história. Somos apresentados a uma sociedade do futuro que rompeu radicalmente com a visão de mundo da velha e decadente civilização terrestre. Tudo que aparece na tela, incluindo naves, habitações, vestimentas, equipamentos, etc. parece ser, pelo menos parcialmente, de origem biológica. As tecnologias “verdes” empregadas pela civilização de Nova Prime estão em toda parte. As cidades, ao invés de achatarem  a linha do horizonte, como fazem atualmente, parecem brotar do solo, sem modificar radicalmente o relevo. Fique atento aos destroços (ou cadáver?) da nave. Você vai se surpreender. Claro, há algumas licenças poéticas que não vou revelar para evitar spoilers. Uma ou duas delas poderiam até inviabilizar a história, logo de cara. Mas a abundância de conceitos de ficção científica Hard e Soft, habilmente mesclados com drama, suspense e aventura, certamente vale o ingresso se você for um apreciador  de ficção científica, especialmente, da literatura de SciFi.

Shyamalan tem sido constantemente trolado pelo público e crítica nos últimos anos. Todos esperam reviravoltas extraordinárias como o genial final de “O sexto sentido”, que o catapultou para a fama. Mas o que muitos não enxergam é que essas reviravoltas estão acontecendo, bem ali, diante dos olhos do público. Assim como “Sinais” não era um filme sobre a espécie humana (que é considerada por muitos críticos como “o maior personagem de Ficção científica”), esse filme também não é uma aventura alucinada (ainda que tenha momentos de inegável tensão e suspense). E a reviravolta acontece também. Só que, como em “Sinais” ou “A vila” ,  ela não pode ser percebida com os olhos.

Certa vez, perguntei à uma monja budista de uma sanga (comunidade budista) que frequentei brevemente:  De onde vinha a fé?  Experiência? Treinamento? Condiconamento? Ela me respondeu da seguinte maneira: “Se você se deu ao trabalho de atravessar a cidade para vir aqui, então talvez não precise fazer essa pergunta”. E, de certo modo, assim como a monja, “Depois da Terra”, bem como os outros filmes de Shyamalan, nos convida a responder perguntas sobre nós mesmos.
Já foi dito que Shyamalan é o cineasta da sutileza. Pode ser o caso. E, numa Hollywood onde explosões e perseguições espetaculares, muitas vezes, rendem muito mais bilheterias do que histórias com idéias, é de se agradecer que alguém ainda esteja disposto a ocupar esse nicho.


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