Superman, o homem de aço: O que a trilha
sonora do novo filme pode nos dizer sobre ele?
O que a
trilha sonora de Hans Zimmer pode nos dizer sobre “Superman, o homem de aço”?
Por Zaius Primati
Neste domingo, 23 de junho, eu estava na Multiverso Comic Con, em Porto
Alegre. Um dos painéis era sobre o novo filme do Super Homem, que estreia no
Brasil no próximo dia 13 de Julho. Após o debate entre os
convidados, foi aberto um espaço para perguntas.
Lógico que, como bom "Old School" nerd que sou, perguntei o
que eles achavam da ausência da música John Williams no novo filme. Para minha
decepção, praticamente nenhum dos presentes levantou qualquer objeção a esse
fato. Perguntados sobre se havia alguém presente que tinha assistido o filme
original de Richard Donner no cinema, apenas duas mãos se ergueram. A minha,
que assisti o filme com 14 anos de idade e a de Sidney Gusman, da Maurício de
Souza Produções, que o assistiu aos 12 anos de idade. Além de mim, apenas ele
parecia se lembrar do quão épica era, ou melhor, é, a trilha sonora de John Williams para o super-herói mais famoso
das histórias em quadrinhos da DC. Fiquei triste. Senti como se um grande amigo tivesse sido esquecido em seu leito de morte, como se o próprio Kal-El tivesse
morrido nas mãos de Apocalipse e todos tivessem superado isso, seguido com suas
vidas, e sua estátua, agora, nada mais fosse do que um caríssimo banheiro para
pombos, abandonado em algum parque de Metrópolis.
" Eu estou
cansado de ouvir John Williams", disse meu jovem interlocutor. "Eu
estou cansado de ter John Williams me dizendo o que sentir a cada cena de um
filme", prosseguiu ele. Eu, não
muito gentilmente, confesso, lembrei-o de que eu teria apreciado muito a
opinião dele, se essa realmente fosse a sua opinião, e não a de Terry Gillian,
que usou exatamente AS MESMAS PALAVRAS ao se referir a John Williams, em
dezembro de 2011 (como fã de Williams eu jamais esqueceria isso). Acrescentei
que era coerente. Afinal, se Zack Snyder
queria um Superman menos poderoso, mais realista, nada mais apropriado do que
uma música menos poderosa.
Fui embora do evento pensando no
que ouvi. Não tenho dúvidas de que será um belo filme, independente da música.
Muitos fãs não estão nem aí. Basta qualquer coisa medianamente audível. Ou nem
isso. Há até quem sugerisse que um heavy metal daria conta (Higway to Hell
cairia como uma luva, sim... para um filme do LOBO). Mas algo naquela trilha me incomodava.
Então resolvi ouvi-la, despido de meus preconceitos e buscando uma quase
impossível avaliação isenta. Pedi a um
maestro amigo meu um artigo sobre isso, mas, como o cara é ocupadíssimo e nunca
lê seu FACEBOOK, vocês terão que aceitar a palavra de um trompetista amador que
parou na lição número 76 do método Bona
de solfejo.
Música vem do grego, onde
significa “a arte ou técnica das musas”. Então, de certo modo, é impossível que
alguém não sinta nada ao ouvir um tema musical. Minha filha de cinco anos fica
apavorada quando ouve músicas com um tom sinistro ou ameaçador, mesmo sem ter
visto os filmes de onde essas músicas vieram. E é para isso que elas servem.
Assista um filme iraniano onde só se ouve o vento no microfone, para ver como é
bom...
Dito isto, o que a música dos dois filmes , o "Superman -The Movie" de
Donner e o "Man of Steel de Snyder", pode nos dizer sobre ambos?
A poderosa marcha de John Williams é esmagadora e já chega arrebentando:
um ser com poderes divinos desceu das estrelas e fez
da Terra seu lar adotivo, lar que defenderá contra todas as ameaças. Seu tema
evoca vividamente o vôo. Como lembrou Sidney Gusman, “você acreditará que
homem pode voar”, que é também o slogan da propaganda do filme de 1978.
A trilha de Zimmer evoca estranheza, mundos alienígenas, emoções
violentas, batalhas e por aí vai. Esse clima é criado com o uso de uma percussão
que lembra antigos tambores de guerra celtas e escoceses, as notas mais graves
do piano e os sons eletrônicos minimalistas que Zimmer tanto ama, como aquele irritante
e insano ruído rascante que ele usou para representar o Coringa em “O cavaleiro
das trevas”. Afinal, parafraseando Sidney Gusman “Vai ter porrada, nerdaiada!”.
E não podia ser diferente. Afinal, Zod é o vilão do filme.
Então, o que é que essas duas trilhas têm em comum que possa representar
o mais poderoso herói da DC comics em toda (ou quase toda, como querem alguns)
a sua glória?
Em recente artigo de Fábio
Scrivano para a Revista da Cultura, Mark Richards, PhD em teoria musical, explica o motivo do tema de Williams
ser tão icônico. “O tema é uma marcha, o que sugere força. E a melodia emprega
grandes intervalos ascendentes entre as notas, em particular aquele chamado de
quinta perfeita, usado para denotar heroísmo, bem como os trompetes da orquestração ".
O maestro também destaca o fato da música crescer gradativamente, criando um
senso de expectativa, como se a plateia estivesse prestes a presenciar algo extraordinário.
E acrescento: é um tema que você sai assoviando do cinema. Tente assoviar o
tema de Michael Kamen para “X-Men, o filme”. Conseguiu? Não? Entendeu qual é a sensação? É por aí.
Mas, e quanto a “O Homem de aço?”. Desconsiderei
os temas de batalha e fui direto para “What
are you going to do when you are not saving the world?”, que sintetiza o espírito
do filme. Eu, francamente, não estava interessado em saber, pela música, qual é a
sensação de viver em Krypton ou como é trocar socos com o general Zod. Tudo o
que eu queria saber é: quem é Kal El? O que faz dele quem ele realmente é? Como
ele se sentiria vivendo num mundo de criaturas frágeis como bolhas de sabão e,
ainda assim, tentando ajudar e ser aceito por elas, enfim, tentando encontrar
seu lugar no mundo, como todos nós.
O tema começa com um piano
bastante sutil. Evoca solidão, melancolia, dúvida, perda. Lembra demais aquelas
cenas dramáticas sem diálogos, que um outro compositor, Michael Giacchino, sabe
ilustrar tão bem com seu piano, e arrancar lágrimas até dos mais frios entre os
mortais. Então, a música começa a embalar, com uma percussão que lembra as antigas
cadências britânicas de que já falei. É um som tenso, violento. Obviamente,
está se referindo aos obstáculos da jornada do herói.
Mas, quando você pensa que a
trilha vai descambar para uma música puramente guerreira, acordes de cordas
eletrizantes e poderosos metais se insinuam, num crescente, se elevando
acima dos tambores da guerra, subindo, cada vez mais, rumo aos céus, rumo à luz,
rumo ao sol, fonte dos poderes do herói. Para o alto, e avante!
E não me venham com esse papo de
que “é um filme mais sombrio, para um público mais adulto”. Se a luz não fosse
a essência do herói, a capa de “Os melhores do mundo” não teria Superman
cercado de pombos ao amanhecer enquanto Batman está rodeado por morcegos e pela
escuridão. E é essa luz, em forma de música, que ouvimos, elevando-se acima da
escuridão e da violência da guerra. É a esperança.
Então, quem é Kal El afinal de contas?
No filme de 78 o tema de John Williams não deixa dúvida: o destino do
último filho de Krypton já estava traçado por Jor El, seu pai biológico. Apesar
de todas as suas dúvidas e angústias, Clark Kent desaparece do filme assim que
ele encontra as memórias de seu pai, na fortaleza da solidão. O Clark que
trabalha no planeta diário é só uma casca para Kal El, quase um alívio cômico. Superman
já está nos céus. Cabe a ele descer à terra e salvar os mortais, mesmo que tenha
que compartilhar as nossas dores e o nosso sofrimento.
Em “O homem de aço”, a música de Zimmer parece evocar uma história
diferente: Clark não desaparece após deixar a fazenda de sua infância. Ele,
como já foi dito por parte da crítica, é “o relutante defensor de nosso planeta”. Ele não está nos céus. Ele caminha entre nós,
mas não é um de nós. E o tema de Zimmer demonstra isso, de modo claro.
Se o Superman de Williams está descendo à
Terra, o de Zimmer, está decolando, se elevando acima de suas dúvidas, suas
perdas sua tristeza, rumo à luz e a compreensão, rumo à esperança e, levando com ele, as esperanças de sua irmã
adotiva, a humanidade. Sim, é uma música minimalista, muito menos complexa que
a de John Williams. Em termos de evocação heróica e tonalidade épica, apanha
até do comparativamente modesto tema que Alan Silvestri compôs para “Capitão
América”. Mas transpira humanidade por todos os lados.
Se Williams nos mostrou com música como é o
filho de deuses descendo das estrelas, Zimmer nos mostra o que é o filho de
dois fazendeiros do Kansas vencendo a si mesmo e ascendendo ao infinito. Perto
do final da música, os próprios anjos parecem saudar, com um glorioso e
apoteótico coral, o homem que se tornou herói, o mortal que se tornou divino. Ouvi algumas versões dessa música em que, logo
após o ápice do tema, há um anticlímax, digamos, meio frustrante. Apenas para usar uma metáfora inocente (pode haver
crianças lendo isso. Li minha primeira resenha aos oito anos...), é como se
você estivesse comendo sua torta favorita e, perto da melhor parte do recheio,
alguém vem e leva a fatia que você queria. Mas, se isso servir a algum propósito
da trama, paciência.
Posso me sentir o maior traidor dizendo
isso, mas estou pronto para o novo tema. Sempre haverá um lugar para o extraordinário
tema de John Williams em nossos corações. Ele está lá e fez por merecer. Ele é
eterno. Mas Zimmer parece ter aprendido que ele jamais poderia “peitar” uma
lenda e consegue se safar do dilema indo em outra direção.
E quanto a Kal El / Clark Kent, ele pode ser
filho de seres divinos, pode ser mais rápido que uma bala, mais forte que uma
locomotiva, invulnerável, indestrutível. Mas nada disso jamais será maior que o
amor que ele recebeu de um humilde casal de fazendeiros do Kansas. E é nesse amor, e na compaixão que ele gerou, que residem seus maiores poderes.
Ouça abaixo e compare:
O original...
...E a trilha sonora do novo filme:
http://www.youtube.com/watch?v=y2mb6NXYGm8
Ouça abaixo e compare:
O original...
...E a trilha sonora do novo filme:
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